Campanha alerta para o tombamento do Painel da Igreja de Esperantina

Campanha alerta para o tombamento do Painel da Igreja de Esperantina

Campanha alerta para o tombamento do Painel da Igreja de Esperantina

Uma campanha através da rede social (facebook, whatsapp e twitter) está acontecendo atualmente na cidade de Esperantina relacionada a preservação do painel “Calvário de Cristo” da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Esperança.

O quadro em questão, batizado de “Calvário de Cristo” foi pintado há mais de 30 anos pelo artista João Batista Bezerra da Cruz. O painel mostra Jesus Cristo crucificado ao lado de manifestantes, sem tetos e denuncia as mazelas sociais.

Internautas estão alertando para o tombamento da obra e a sua preservação, já que é um patrimônio da cidade. O padre Evandro Alves da Silva, pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Boa Esperança, está praticamente em campanha para a retirada do referido painel, o que não tem agradado a grande maioria dos fiéis.

A obra foi pintada na gestão do padre Ladislau João da Silva em 1983 e fica no altar da igreja. Para o atual pároco de Esperantina, Evandro Alves da Silva, o quadro só trouxe “discórdia entre fiéis” e por isso está discutindo a possibilidade de retirá-lo do altar.

Padre Ladislau informou que o painel foi construído após consulta popular e a polêmica se deve a visão distorcida da espiritualidade. Segundo ele, a obra foi baseada no documento de Puebla e ao evangelho de São Mateus.

“O obra é uma referência na região e existe até em catálogos internacionais. É com base no documento de Puebla que diz que a face de Cristo se expressa nos rostos de crianças golpeada pela fome, no rosto das mulheres vítimas do machismo, no rosto dos trabalhadores sem terra e outras mazelas”, afirmou Ladislau.

Na defesa da obra, Ladislau argumenta ainda: “Não tirei de minha cabeça. É o retrato do calcário do povo de Deus. Não se pode simplesmente destruí-la. É um mosaico do que o povo pensa e um momento bastante atual. O que existe é que tem pessoas com visão distorcida da espiritualidade libertadora”.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN ( Teresina ), esteve em Esperantina, onde na oportunidade se reuniu com representantes da igreja católico, entrevistou populares e fez um levantamento sobre a importância cultural e histórica do referido painel.

“O Calvário de Cristo Hoje” o autor desta belíssima Pintura é do Piauiense João Batista Bezerra Cruz, natural da cidade de Pedro II. O artista João Batista, retratou a realidade de como era nas décadas de 80 a 90.

Em nossa realidade o Calvário de Cristo se Expressa:

– pelas feições das crianças golpeadas pela fome.

– pelas feições dos Jovens desorientados.

– pelas feições dos camponeses explorados, sem terra, sem pão.

– feições das mulheres marginalizadas.

– pelas feições dos velhos abandonados…

Sobre liderança, poder e o painel da Igreja Matriz de Esperantina

Por Dr. Roque Neto

especial para o PORTALESP

Em fevereiro de 2015, quando os terroristas do Estado Islâmico invadiram a cidade de Mosul no norte do Iraque, uma de suas primeiras ações foi destruir o patrimônio histórico e cultural daquele país. Segundo os extremistas, as estátuas e as obras de arte eram ídolos que precisavam ser exterminados por

motivos teológicos. Pessoas do mundo inteiro assistiram chocadas àsimagens de demonstração de poder baseado na violência física, psíquica e cultural.

Não estamos no Iraque e tampouco somos vítimas do Estado Islâmico, mas temos a obrigação de defender o patrimônio histórico e cultural de Esperantina. A história de um povo não pode ser deletada e reescrita a cada administrador municipal, paroquial ou educacional que chega a uma cidade, e que nem mesmo sabe por quanto tempo alí ficará. A história de Esperantina pertence às gerações de pessoas que alí nasceram e/ou cresceram e geraram símbolos que representam nossa forma de viver, trabalhar e também de acreditar em Deus.

No caso específico do painel “O Calvário de Cristo Hoje”, de autoria do piauiense João Batista Bezerra Cruz, é inegável o significado histórico do mesmo para milhares de esperantinenses, sejam eles católicos ou não. O painel demonstra um modo muito peculiar de viver nossa fé cristã. Nós esperantinenses não acreditamos em um Deus desencarnado, mágico, alheio às lutas do seu povo. Acreditamos em um Deus que caminha conosco e sofre com cada menor abandonado, com cada mulher violentada e com as inúmeras formas de abuso de poder.

Por trás da controversa discussão sobre o painel, o que de fato está em jogo é uma dinâmica mesquinha de poder. Como sequela de uma mentalidade arcáica, alguns líderes ainda acreditam no ganho de autoridade com pequenas demonstrações de força. Lamentável! De fato, Lee Bolman, professor de Harvard, nos lembra que os bons líderes são aqueles que, antes de qualquer ação, se esforçam para ouvir o seu povo e compreender os seus símbolos. Os bons líderes não tomam decisões antes mesmo de chegarem ao seu lugar de comando. Eles são flexíveis e entendem que seu primeiro papel é servir.


Há inúmeras pessoas carentes de pão e de Deus em nossa cidade. A fome destas pessoas não começa nem termina com uma polêmica sobre um

patrimônio cultural. Ela depende da capacidade dos nossos líderes assumirem uma postura de servidores. Esta “nova” postura é um pedido não apenas de intelectuais, mas do próprio Papa Francisco que melhor do que ninguém enxerga o abuso do poder dentro de sua instituição.

Muita coisa mudou em nossa cidade desde que o painel “O Calvário de Cristo Hoje” foi criado. No entanto, ainda permanecem muitos desafios. Um deles é ajudar nossos líderes a entenderem seu papel e a não agirem como meros administradores que se apegam a toda forma de poder. Assim como cresci observando aquele painel e buscando nele pistas para entender o mundo e a minha fé, espero que novas gerações de esperantinenses tenham a mesma oportunidade. E mais do que isto, que a discussão sobre o tombamento do painel nos alerte sobre o valor de nossa cultura e de nossa história, das quais muito nos orgulhamos.

* Roque Neto é esperantinense, filósofo, psicólogo, mestre e doutor em educação. Ele é autor de vários livros e artigos. Atualmente leciona no mestrado em Educação Urbana na Davenport University, nos Estados Unidos.

Somos crianças observando e interpretando o painel “Calvário de Cristo”

Por Genoveva Amorim – Especial para o PORTALESP

Encontrei-me na sugestiva imagemde uma criança observando e interpretando o painel “Calvário de Cristo”. Realmente foi interpretando aquele painel que fui forjando minha identidade cristã e esperantinense. Falar do referido painel, para esperantinenses, é quase uma redundância. Com certeza, todos nós temos nossas interpretações sobre o mesmo, sejamos cristãos ou não. Mais do

que situar o painel no tempo, na história ou na política da nossa cidade, quero aqui, modestamente, falar de interpretações, conflitos e patrimônio cultural.

A riqueza da arte está na sua liberdade de interpretações. Nesse sentido, há várias interpretações a respeito do painel. O conflito se estabelece quando uma interpretação se sobressai às outras ou quando imaginamos e divulgamos o que achamos ser a interpretação correta. Sabemos que o referido painel foi construído dentro de um determinado contexto histórico, possivelmente a partir de uma interpretação particular. Mas a arte está aberta a interpretações diversas por pessoas da sua época, e também está aberta a ressignificações por pessoas de sociedades futuras. Isto é, a arte, o “objeto cultural”, está em um constante processo de atualização e significação sem que a mesma deixe de ser um instrumento que faz mover nossa memória coletiva. E é essa nossa capacidade de ressignificar que amplia a nossa capacidade de compreender o mundo.

Como católicos, buscamos a fraternidade, mas algumas vezes esquecemos que a união se constrói com a tolerância e o respeito à diversidade. Em respeito a essa diversidade, aceito a opinião daqueles que acham que o painel está em um local errado, por conter elementos e imagens que não são sacras. Contudo, quero alertar que as diversas imagens sacras foram construídas historicamente. As mesmas, na sua época, tiveram dificuldades em serem aceitas. Aliás, ainda hoje vários grupos religiosos se recusam a ter imagens dos seus deuses. O sentido do sagrado, a sacralidade das imagens, é construída pela comunidade religiosa e aos poucos se torna reconhecida pelas igrejas oficiais.

Para o antropólogo Geertz é através das imagens públicas que organizamos, formamos e reorientamos uma ordem significativa que funciona como ummodelo simbólico. Um modelo através do qual localizamos uma forma de proceder, ou de encontrar significado, diante de vários acontecimentos e emoções que a vida nos proporciona diariamente. Muitas vezes é um evento,
um objeto cultural ou mesmo uma casa antiga que nos permite reconhecer o passado, compreender o presente e agir sobre ele.

Nesse sentido, quero retornar ao segundo ponto da minha reflexão: o tombamento do painel “Calvário de Cristo”. Ao identificar os objetos culturais, os técnicos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) trabalham para sua conservação, restauração e proteção oficial de acordo com a Constituição Federal e o decreto lei número 25, de novembro de 1937 (Lei do Tombamento). O tombamento, de acordo com o “Guia Básico de Educação Patrimonial”, do IPHAN, é um registro oficial e legal de um edifício, de objetos ou coleções que possuem significado para a sociedade. Isto é, o tombamento reforça a nossa propriedade, de cidadãos esperantinenses, sobre o painel e nos ajudará na conservação e reconhecimento dessa arte sacra.

É realmente lastimável o que já foi deteriorado do patrimônio cultural de Esperantina. Quanto a isso talvez não possamos fazer muita coisa. Felizmente, agora temos uma oportunidade de refletir sobre nossas ações. Isso, para mim, é muito importante. Como pessoas esclarecidas, não podemos deixar que mais um objeto cultural seja destruído. Caso isso venha acontecer, seremos cobrados, ainda por essa geração e com certeza pelas gerações futuras.

Agora lembrei aquela frase de Jesus: “Àquele a quem muito foi dado, muito será exigido”. Hoje sou muito grata à minha cidade por tudo que sou. E tudo o que sou, nasceu de um olhar de uma criança, e depois de uma jovem cheia de sonhos, sobre aquele painel. Também me sinto na responsabilidade de alertar: todos nós, em maior ou em menor grau, somos atualmente responsáveis pela conservação e manutenção dos nossos bem culturais.

Genoveva Amorim é esperantinense, mestra em antropologia social pelo PPGAS-UFAM – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas. Atualmente cursa doutorado na mesma instituição e desenvolve pesquisas etnológicas sobre temas relacionados a etnicidade, a territorialidade, a religião, a política e ao xamanismo.
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